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Entre polêmicas envolvendo estilistas, designers e fotógrafos: afinal, quais são os limites jurídicos da atuação dos influenciadores digitais?

24 de setembro de 2021 - 14:49

É certo que a tecnologia é um grande vetor para o aumento da digitalização do mercado de consumo, fator que faz com que empresas busquem por métodos para diversificar suas ações de impacto e influência nas decisões de compra do consumidor.

Atualmente, uma das grandes estratégias adotadas por estas empresas é explorar a visibilidade de influenciadores digitais como forma de prospectar sua marca. Mas, afinal de contas, como se define um influenciador digital? Esses agentes podem ser pessoas comuns, artistas, políticos ou celebridades, que possuem ao seu favor, o dom da comunicação espontânea e participativa, que interage com o cotidiano de diversos nichos de pessoas.

A cultura participativa é produto da pós-modernidade e das transformações derivadas dela, seja nos campos da economia, socialização, relações internacionais como na tecnologia e vida cotidiana [1]. Stuart Hall, ainda fundamenta que o sujeito pós-moderno possui a capacidade de transitar entre múltiplas identidades e se auto moldar conforme construção e reconstrução com as relações que estabelecem nos sistemas culturais existentes [2].

Nessa lógica, o influenciador digital, dotado de uma comunicação que denota proximidade, gera uma imagem que faz com que o seguidor o veja como “gente como a gente”, aproximando o sujeito à uma “relação” de concordância e similitude com o influenciador, tornando este como um agente de influência, autoridade naquilo que representa, e produz. Além disso, o seu conteúdo, demonstra de certa forma que este participa, desde o consumo do produto até a sua divulgação, se tornando um verdadeiro prossumer [3].

Todavia, como definido por Jenkins, “[…] todos são participantes – embora os participantes possam ter diferentes graus de status e influência” [4], uma vez que grandes empresas procuram estampar seus produtos com influenciadores que possuem mais seguidores, ou seja, mais visibilidade e por consequência, mais status e influência.

No Brasil, uma das maiores influenciadoras digitais do momento é Juliette Freire, vencedora do reality show Big Brother Brasil 2021 e dona de uma conta de Instagram com mais de 32,5 milhões de seguidores. Logo, é uma grande influenciadora. Muitas marcas disputam para ações publicitárias ou até mesmo para vesti-la para eventos, pois a paraibana costuma gerar o “efeito Juliette”, visto que quando realiza uma aparição com determinado look, ele costuma esgotar, e até congestionar redes sociais de marcas [5].

Contudo, ao utilizar um vestido vermelho da estilista Lethicia Bronstein para evento publicitário de grande marca, em agosto de 2021, Juliette não colocou créditos à profissional, além de segundo a estilista, não ter recebido nenhum pagamento pela roupa [6].

Bronstein em entrevista com a colunista e jornalista Fábia Oliveira, disse: “Normalmente, a praxe é comunicar a marca se a marca quer que o vestido seja usado na publicidade. Caso a marca aceite, fica acordado um valor. E isso não foi feito”.  Ainda, a estilista comentou que o tratamento com estilistas internacionais é totalmente diferente, visto que quando artistas utilizam suas roupas, os créditos nunca são esquecidos [7].

Mas será que os créditos eram devidos pela artista? De acordo com a Lei 9.610/98, que disciplina os Direitos Autorais no Brasil, em consonância com a Convenção de Berna, tratado internacional responsável por regular a matéria em âmbito internacional, “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.

O artigo 29 do dispositivo ainda prevê que, para a utilização da obra, ou neste caso, do vestido, é imprescindível a autorização prévia e expressa do autor – nessa situação, da estilista Lethicia Bronstein –, para a sua reprodução parcial ou integral. Além disso, quando há a utilização da obra, por qualquer modalidade, e não há a indicação do nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, o indivíduo estará propenso a responder por danos morais, pois está obrigado a divulgar a identidade do autor.

Outrossim, como a estilista declarou nas redes, é de praxe acordar algumas questões com a assessoria do artista, podendo ser um contrato de cessão e transferência, ou de licenciamento, para a autorização temporária do uso da obra, podendo ser onerosa – isto é, paga – ou gratuita, acordando-se também, o prazo, até mesmo as vezes as quais aquela obra será veiculada, tornando-se importantíssimo associais a questão dos negócios jurídicos às questões dos direitos autorais [8].

Pouco tempo antes de Juliette, em julho de 2021, o nome de Pabllo Vittar alcançou os trend topics do Twitter pelo mesmo motivo. Mesmo com mais experiência na vida pública, a drag queen que estreiou nas redes em 2015, foi surpreendida durante as ações de divulgação de seu novo álbum “Batidão Tropical”. O estilista da artista, João França Ribeiro utilizou peças criadas pela designer Jheni para o look das fotos de divulgação do quarto EP da artista.

No contrato firmado entre a assessoria de Pabllo e Jheni, os créditos do trabalho seriam concedidos em todas as divulgações da obra nas redes sociais. Na era digital, não muito levou para que a designer percebesse que as cláusulas contratuais estavam sendo descumpridas. Apenas uma das fotos publicadas identificava a autoria de seu design [9].

Se por um lado o exposed nas redes, no início, foi responsável por em diversas tentativas de hackeamento do perfil de Jheni no Instagram; resultou, por fim, em um movimento de descontentamento dos fãs da drag solicitando uma divulgação justa que culminou em um pedido público de desculpas pelo perfil da artista, retratando-se pelas últimas ações [10].

Isto posto, o contrato relativo à divulgação da designer de moda não era claro o suficiente para que a assessoria de Pabllo não o seguisse? É certo que a assessoria de Juliette deixou de seguir preceitos importantíssimos da regulamentação de Direitos Autorais no Brasil, mas como se dão esses fatos internacionalmente? Será que os artistas gringos também supervalorizam marcas internacionais? Ou ainda, se envolvem em situações jurídicas similares, quando envolvidos em relações de publicidade, parceria e divulgação?

Não apenas marcas e estilistas têm enfrentado cenários delicados com influenciadores digitais nos últimos tempos. Nos Estados Unidos, os fotógrafos paparazzis representam um grupo historicamente rival de artistas e influenciadores digitais. Isto porque, enquanto os fotógrafos confrontam a violação dos direitos autorais de seus trabalhos; do outro lado, as celebridades disputam seus direitos de personalidade, no que diz respeito ao direito à própria imagem e à privacidade [11].

Enquanto no começo da década era comum observar figuras públicas e celebridades processando paparazzis ou agências sob alegações de perseguições e invasão de privacidade, nos últimos tempos, o jogo virou. A lista de figuras internacionais que respondem por processos judiciais por uso indevido de imagens e violação de direitos autorais continua crescendo: Gigi Hadid (2019) [12], Justin Bieber (2019) [13], Ariana Grande (2019) [14], Liam Hemsworth (2019) [15], Jennifer Lopez (2020) [16] e até mesmo Kim Kardashian (2020) [17].

Dentre os casos, observa-se não apenas pedidos de indenizações de até US$150.000,00, como também há quem diga que as agências de fotografia estariam explorando o fato de acompanhar cada segundo da vida de uma celebridade como uma “forma nova e incremental” de aumentar os fluxos de receita [18].

Em julho de 2021, a britânica vencedora de Grammys e Brits Awards, Dua Lipa, também entrou para a lista de influenciadores que sofrem processos judiciais por violações de direitos autorais. A fotografia em questão, que retratava a cantora na fila de embarque no aeroporto vestindo uma roupa casual e um chapéu destacável, foi tirada no dia 3 de fevereiro de 2019. Cerca de quatro dias depois, Dua Lipa publicou a imagem em seu Instagram para seus milhões de seguidores (atualmente, contabilizando mais de 70 milhões) com a legenda “vou viver sob grandes chapéus fofos até segunda ordem”.

Rapidamente, a empresa responsável pela fotografia, a Integral Images, questionou a autoria da imagem e teve o pedido concedido em 20 de fevereiro de 2021, nos termos de registro do US Copyright Office (responsável pela regulação de matérias de direitos autorais nos EUA). De acordo com os documentos do caso, o perfil do Instagram da artista é “monetizado na medida em que contém conteúdo projetado para acumular seguidores que são direcionados para, por meio de link e/ou anúncio, consumir e comprar [seu] conteúdo” [19]. Então, dentro deste horizonte: poderia a marca do chapéu também solicitar os créditos pelo produto? Ou ainda, a marca poderia repostar a imagem ao observá-la no Instagram da cantora?

Ocorre que, nos termos da Lei de Direitos Autorais (artigo 11), o autor é a pessoa física – ou jurídica, nos casos previstos pela legislação – criadora da obra literária, artística ou científica. Em outras palavras, o detentor de direitos autorais da fotografia de qualquer influenciador ou celebridade, via de regra, será o fotógrafo. Em tempos em que grandes perfis em mídias sociais, ao postarem para seus milhões de fãs, podem ganhar até US$ 1 milhão por uma única postagem no Instagram, nos vemos diante de uma tendência alarmante.

O cenário, no entanto, muitas vezes ainda se mostra uma zona cinzenta. Não apenas os artistas e influenciadores são afetados por esta situação, mas também todas as fanaccounts. Se por um lado, mecanismos como retweets no Twitter possibilitam que imagens se proliferem em poucos segundos – muito além do controle de qualquer detentor de direitos autorais -; por outro, as contas de fãs que têm publicado estas imagens têm sido brutalmente derrubadas por violação de direitos autorais. Isto é, observa-se a criação de uma conjuntura controversa: os próprios influenciadores podem perder poder e influência diante de tantas limitações.

Surge então, o questionamento: com a ascensão dos influenciadores digitais e das novas “regras de conduta” no mundo virtual, estamos prontos – como sociedade – a lidar com estas questões? A internet, que durante muito tempo foi vista como “terra de ninguém”, finalmente está caminhando para sua regulação, inclusive, no que diz respeito aos direitos autorais?


[1] CAMARGO, I.; ESTEVANIM, M.; SILVEIRA, S. C. da. Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o surgimento dos influenciadores digitais, p. 106-109. Disponível em: <Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o surgimento dos influenciadores digitais>. Acesso em: 19 set. 2021.

[2] HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade, p. 23-47. Disponível em: <A identidade cultural na pós-modernidade>. Acesso em: 19 set. 2021.

[3] CAMARGO, I.; ESTEVANIM, M.; SILVEIRA, S. C. da. Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o surgimento dos influenciadores digitais, p.109. Disponível em: <Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o surgimento dos influenciadores digitais>. Acesso em: 19 set. 2021.

[4] PERES, Luana; KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais e marcas: um mapeamento exploratório, p. 109. Disponível em: <Influenciadores digitais e marcas: um mapeamento exploratório>. Acesso em: 19 set. 2021.

[5] Efeito Juliette: ex-BBB esgota looks e congestiona redes sociais das marcas. Universa, 2021. Disponível em: <Vestido de Juliette: modelo esgota após ex-BBB usá-lo em live com Gil . Acesso em: 19 set. 2021.

[6] Estilista brasileira acusa Juliette de não pagar por vestido exclusivo. UOL, 2021. Disponível em: <Estilista brasileira acusa Juliette de não pagar por vestido exclusivo>. Acesso em: 19 set. 2021.

[7] Estilista acusa Juliette de calote e expõe toda a treta com a campeã do BBB 2021. RD1, 2021. Disponível em: <Polêmica! Juliette é exposta após acusação de estilista e não se pronuncia>. Acesso em: 19 set. 2021.

[8] SABOIA, V; SOUZA, A. Estampas e o Direito da Moda: algumas reflexões. ConJur, 2020. Disponível em: <ConJur – Opinião: Reflexões sobre estampas e o Direito da Moda>. Acesso em: 19 set. 2021.

[9] Estilista é prejudicada e expõe Pabllo Vittar no Twitter. Jornal de Brasilia, 2021. Disponível em: <Estilista é prejudicada e expõe Pabllo Vittar no Twitter>. Acesso em: 19 set. 2021.

[10] Pabllo Vittar se pronuncia sobre polêmica com estilista. Terra, 2021. Disponível em: <Pabllo Vittar pede desculpas por confusão com estilista e fãs dão parabéns>. Acesso em: 19 set. 2021.

[11] Why celebrities are being sued over images of themselves. BBC, 2019. Disponível em: <Why celebrities are being sued over images of themselves>.  Acesso em: 19 set. 2021.

[12] Gigi Hadid is Being Sued for a Third Time for Posting Another’s Photo on Her Instagram. The Fashion Law, 2019. Disponível em: <Gigi Hadid is Being Sued for a Third Time for Posting Another’s Photo on Her Instagram>.

[13] Justin Biber sued for sharing paparazzi photo of himself on Instagram. Independent, 2019. Disponível em: <Justin Bieber ‘sued’ for sharing paparazzi photo of himself on Instagram>.

[14] Ariana Grande Is Being Sued For Posting Paparazzi Photos Of Herself To Instagram. BuzzFeed, 2019. Disponível em: <Paparazzi Photographer Sues Ariana Grande For Instagram Pics>.

[15] Liam Hemsworth Is Facing a $150,000 Lawsuit Over an Instagram Picture. Cosmopolitan, 2019. Disponível em: <Liam Hemsworth Is Facing a $150,000 Lawsuit for Posting a Picture of Himself on Instagram>.

[16] Jennifer Lopez sued for $150K by photographer over Instagram Photo. Independent, 2020. Disponível em: <Jennifer Lopez sued for $150k by photographer over Instagram photo | The Independent>.

[17] Kim Kardashian is the Latest Celeb to Be Sued for Posting an Unlicensed Photo of Herself on Instagram. The Fashion Law, 2020. Disponível em: <Kim Kardashian is the Latest Celeb to Be Sued for Posting an Unlicensed Photo of Herself on Instagram>. Acesso em: 19 set. 2021.

[18] Why celebrities are being sued over images of themselves. BBC, 2019. Disponível em: <Why celebrities are being sued over images of themselves>.  Acesso em: 19 set. 2021.

[19] Dua Lipa sued for putting paparazzi photo of herself on Instagram. BBC, 2021. Disponível em: <Dua Lipa sued for putting paparazzi photo of herself on Instagram>. Acesso em: 19 set. 2021.

Alice Calixto e Letícia Marques são estagiárias do CQS/FV Advogados.

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